Inflammaging A Inflamação Silenciosa, mas não Invisível

Alguns leitores poderão ficar intrigados com este artigo pois encontrarão somente referências recentes, precisamente dos últimos 5 anos, e poderão pensar,  este tema é bem atual.  De fato, o termo Inflammaging só começou a ser utilizado a partir de 2016 por Claudio Franceschi, mas não se enganem imaginando tratar-se de um problema novo! 

A preocupação com o envelhecimento e com o declínio físico e mental, remonta ao século XIII quando se pesquisava o Elixir da Longa Vida,  que era na verdade um tratamento para todas as doenças, mas não se tratava nem de longe de imortalidade, uma vez que, quem utilizava o lendário Elixir da Longa Vida,  poderia morrer de qualquer coisa menos de doenças crônicas e infecções, ficando protegidos contra essas doenças mas não da morte por outras causas.  

Parafraseando um médico amigo que costuma dizer que, “se chegarmos à velhice sem ter sofrido um acidente ou um ato de violência que nos tire a vida, certamente a causa da morte será uma Inflamação.”(H Maia)

E assim, seguimos aqui na tentativa de trazer à luz alguns fatos que comprovem esta tese e demonstrem como algumas estratégias podem ser importantes alternativas capazes de proteger seres humanos da Inflammaging.

 

“O envelhecimento é um fardo global para o organismo humano. Healthspam nem sempre aumenta paralelamente a Lifespam.”.

Chambers e A.N. Akbar

              

Envelhecimento e Adaptação

O envelhecimento é caracterizado por um processo de adaptação morfofuncional, que afeta sistemas fisiológicos de forma variável e dependente de uma complexa interação entre genética, epigenética, ambiente e eventos aparentemente aleatórios. 

É um fenômeno complexo, objeto de intensa pesquisa e pode se manifestar por alterações em todos os níveis, desde moleculares até os sistemas mais complexos. Estas manifestações globais foram recentemente modeladas em 7 principais padrões básicos:

  • Declínio da adaptação ao estresse;
  • Perda da proteostase;
  • Alterações epigenéticas desfavoráveis;
  • Desgaste de células-tronco;
  • Comunicação intercelular prejudicada;
  • Imunosenescência;
  • Inflamação.

Um aprofundamento nos mecanismos de envelhecimento biológico leva à ideia de que todos estes padrões se cruzam entre si e estão intrinsecamente ligados.

Quando essas interações dinâmicas conduzem a um remodelamento de mecanismos e sistemas relacionados ao envelhecimento, podem proporcionar a chance de se atingir um limite extremo de vida humana em um estado de saúde plena.  Esta teoria se reflete no número crescente de centenários longevos e saudáveis, e parece significar que o processo de envelhecimento e o desenvolvimento das doenças degenerativas são de certa forma processos separados e independentes, porém que compartilham um conjunto básico de mecanismos biológicos.(6)

Os centenários são notáveis, não somente devido a suas longas vidas, mas também porque eles comprimem a morbidade nos últimos momentos de suas vidas, por isso tem sido estudados e propostos como um modelo de envelhecimento bem sucedido e extraordinário.

Do ponto de vista clínico, centenários não escapam do declínio fisiológico ou das doenças e síndromes relacionadas ao envelhecimento, mas a manifestação desses processos ocorre de forma tão lenta que equilibra sua capacidade intrínseca de responder ao estresse, ou seja, uma profunda capacidade de resiliência.(7)

Em contrapartida, o desequilíbrio entre mecanismos estressores e alívio de estresse, resultam em um acúmulo de danos não reparados. Como resultado, encontram-se a suscetibilidade a doenças, o declínio funcional, a redução na capacidade de recuperação e resistência ao estresse e instabilidade na saúde.(1)

A preservação da função física e cognitiva é hoje o principal foco de pesquisa na área da gerontologia, mas é importante reconhecer que o atingimento deste objetivo requer profundo conhecimento dos mecanismos moleculares, celulares e fisiológicos que determinam essas alterações funcionais.(1)

Neste contexto, envelhecimento biológico é caracterizado por um processo de inflamação crônica, em nível subclínico, este status pro-inflamatório tem um papel importante e muito tem se estudado e publicado para demonstrar que, no envelhecimento, os indivíduos tendem a desenvolver este estado, que passou a receber o nome de Inflammaging.

“Inflammaging é um fenômeno crônico e um fator de risco altamente significativo para morbidade e mortalidade.” B. Fougere

Inflamação:  de Proteção Imunológica a Chave de Doenças Crônicas

Em situação fisiológica normal, a inflamação é essencial para a manutenção da saúde e da vida, pois é responsável por mediar a luta do organismo contra agressões e invasões. Tem papel essencial no processo de reparação e manutenção de órgãos e sistemas.

Após um trauma ou processo infeccioso, inicia-se uma resposta inflamatória local, em nível celular.

Mediadores celulares, como macrófagos e monócitos, são mobilizados para o local da reação, como uma resposta imunológica inata presente em todos os mamíferos.  Estas células produzem e liberam mediadores moleculares, como IL-6 e TNF-alfa, responsáveis pela progressão da resposta a nível sistêmico, utilizando a corrente circulatória para abranger outros órgãos e sistemas.

Esta cascata inflamatória é deflagrada com o objetivo de destruir patógenos invasores, iniciar os processos de reparação tecidual e promover a recuperação da homeostase. Como um processo agudo, tem um mecanismo próprio de auto-resolução.(5)

A inflamação que é transitória, aflorando quando é necessária e desaparecendo por seus próprios mecanismos de resolução, não terá maiores consequências. Porém, quando o processo inflamatório se prolonga, seja em decorrência de um desequilíbrio imunológico ou porque o gatilho que deflagrou a cascata inflamatória não foi bloqueado, poderá causar danos que eventualmente se manifestarão como doenças.(1)

O envelhecimento é caracterizado por um estado pro-inflamatório, embora o exato mecanismo que deflagra esta inflamação ainda não é totalmente compreendido.(1)

Este estado de inflamação crônica correlacionada com o envelhecimento, que muitas vezes é chamada de Inflammaging, é um poderoso fator de risco para ocorrência, progressão e complicações de muitas doenças crônicas degenerativas, incluindo: obesidade, Diabetes tipo II, doenças cardiovasculares, sarcopenia, osteoporose, doenças neurodegenerativas e câncer.(1,5)  

Um sinal característico do envelhecimento na presença de inflamação crônica subclínica, é a elevação sérica das interleucinas IL-6 e IL-8, de TNF-alfa e de PCR, reconhecidos biomarcadores inflamatórios. O aumento destes marcadores pode ocorrer em adultos saudáveis e na ausência da manifestação clínica de doenças inflamatórias, porém já são preditivos maior fragilidade no envelhecimento.(1,3)

Inflammaging:  Inflamação e Envelhecimento

O termo Inflammaging foi proposto pela primeira vez por Claudio Franceschi (2016) e é um estado de inflamação crônica subclínica observada durante o processo de envelhecimento.(3)

Segundo Franceschi (2016), Inflammaging está centrada no macrófago, envolve tecidos, órgãos e sistemas, incluindo a microbiota intestinal, e é caracterizada pelo complexo balanço entre respostas pró e anti-inflamatórias.

Com base na literatura, argumenta-se que a maior fonte de estímulo inflamatório é representada por moléculas endógenas deslocadas ou alteradas resultando em danos ou morte de células ou de organelas celulares, reconhecidas por receptores no sistema imune inato.(4)

Enquanto a produção dessas células é aumentada com o envelhecimento, sua degradação e eliminação pelo proteossoma via autofagia e/ou mitofagia declina progressivamente.(4)

Este processo auto reativo ou autoimune alimenta o estabelecimento ou progressão das doenças crônicas que aceleram e propagam o processo de envelhecimento local e sistêmico. Consequentemente, Inflammaging pode ser considerado o principal gatilho das doenças crônicas relacionadas ao envelhecimento e portanto, o alvo das estratégias de prevenção à estas doenças.(4)

Inflammaging está associada ao aumento do risco de mortalidade em adultos saudáveis e ao declínio na função cognitiva e o contrário, índices mais baixos de citocinas inflamatórias estão correlacionados a bom estado de saúde, longevidade e risco reduzido de morte.(3)

Notavelmente, Inflammaging é caracterizada por aspectos peculiares, de caráter crônico, sistêmico e de baixo grau, podendo permanecer por certo tempo como um processo inflamatório subclínico. 

Assim, mesmo que o índice de progressão de Inflammaging seja reconhecido como a principal força impulsionadora do envelhecimento e um dos principais fatores de risco de morbidade e mortalidade entre adultos, o conhecimento atual do seu agente causal permanece incompleto e sua determinação clínica ainda não é padronizada e nem tampouco é uma unanimidade cientifica. 

Mesmo que biomarcadores inflamatórios possam ser identificados, sua investigação não é amplamente e unanimemente recomendada como prática de rotina clínica.(6)

Reduzindo Inflammaging e Prevenindo Doenças

Dentre as estratégias para redução de Inflammaging e prevenção de doenças crônicas degenerativas, fármacos que possam suprimir células senescentes, ou que eliminem fenótipo secretório associado a senescência (SASP) possibilitam a redução da inflamação crônica.

Estratégias anti-inflamatórias e de neutralização de citocinas pró inflamatórias, como a IL-6 e o TNF-alfa são muito assertivas para melhorar a função imune adaptativa e a resposta anti-inflamatória, prevenindo a imunossenescência e Inflammaging.(3)

E lembrando que qualquer estratégia para minimizar os efeitos da Inflammaging e das doenças associadas, deve ser acompanhada por intervenções no estilo de vida que incluam ajustes nutricionais de macro e micronutrientes e prática de atividade física regular e bem orientada.

Dentre os suplementos nutricionais encontrados naturalmente, fontes vegetais de polifenóis são consideradas potenciais agentes anti-inflamatórios e antienvelhecimento, devido a sua capacidade de modular fatores evolutivos relativos ao envelhecimento, como danos oxidativos, inflamação, senescência celular e autofagia.

Alguns compostos vêm ganhando a atenção dos pesquisadores devido a sua habilidade de expandir a expectativa de vida. Mais recentemente, alguns tem sido propostos como senolíticos protetores contra doenças degenerativas como câncer, doenças cardiovasculares e neurodegenerativas. (8)

Ingredientes ativos de origem vegetal são utilizados a centenas de anos na prevenção e tratamento de distúrbios e doenças humanas.  Especialmente, nos últimos anos, muitos esforços têm sido promovidos para descobrir e tornar estes ingredientes ainda mais ativos e especialmente mais seguros.

Acompanhe mais informações sobre estes fitoativos e ingredientes vegetais nos próximos posts.

Referências Bibliográficas

  • Bektas A., Schurman S.H., Sem R., et al.; Aging, Inflammation and the Environment; Exp Gerontol. 2018 May; 105: 10–18.
  • Bonaf M., Sabbatinelli J, Olivieri F.; Exploiting the telomere machinery to put the brakes on inflamm-aging, Ageing Research Reviews (2020) doi: https://doi.org/10.101.
  • Chambers E.S., Akbar A.N.; Can blocking inflammation enhance immunity during aging ?; J allergy clin immunol;may 2020.
  • Franceschi C., Garagnani P., Vitale G., et al.; Inflammaging and ‘Garb-aging’; Trends Endocrinol Metab. 2017 Mar;28(3):199-212.
  • Fougère B.,Boulanger E., Nourhashémi F., et al.; Chronic Inflammation: Accelerator of Biological Aging;  J Gerontol A Biol Sci Med Sci, 2016, Vol. 00, No. 00, 1–8.
  • Fulop T., Witkowski J.M.,Olivieri F.,et al.;The integration of inflammaging in age-related diseases; Seminars in Immunology, https://doi.org/10.1016/j.smim.2018.09.003.
  • Borras C, Ingles M, Mas-Bargues C, et.al.;  Centenarians: An excellent example of resilience for successful ageing, Mechanisms of Ageing and Development (2019), doi:https://doi.org/10.1016/j.mad.2019.111199
  • Russo G.L., Spagnuolo C., Russo M., et al.; Mechanisms of aging and potential role of selected polyphenols in extending healthspan, Biochemical Pharmacology (2019),doi: https://doi.org/10.1016/j.bcp.2019.113719