A preocupação do ser humano com o estado de saúde e estética da pele, bem como os cuidados para a sua manutenção remontam a antiguidade. Os egípcios usavam óleos essenciais para criar cremes antirrugas e na Roma antiga, esfoliações com sementes e mel eram bem populares.
O que dizer então sobre a preocupação e cuidado com feridas e lesões e com sua adequada cicatrização para não deixar marcas inestéticas na pele comprometendo o epitélio íntegro.
Neste artigo, será abordado um aspecto novo sobre o cuidado com a cicatrização de feridas que tem gerado muitas pesquisas e estudos: Estratégias de suplementação nutricional com foco na regeneração tecidual.
“Cuidando da pele de dentro para fora”.
O complexo processo de cicatrização
O processo de cicatrização consiste em uma perfeita e coordenada cascata de eventos celulares, moleculares e bioquímicos que interagem para que ocorra a reconstituição tecidual. É um processo comum a todas as feridas, independentemente de sua etiologia e é um processo sistêmico e dinâmico que está diretamente relacionado às condições gerais do organismo.
O mecanismo da cicatrização como uma sequência ordenada de eventos foi descrito pela primeira vez em 1910 e mais recentemente, esse processo foi reclassificado em três fases divididas apenas por uma questão didática em:
FASE INFLAMATÓRIA
Caracterizada pela mobilização de leucócitos e monócitos, através de nossa eficiência imunológica, bem como de mediadores e neurotransmissores pró-inflamatórios.
FASE PROLIFERATIVA OU DE GRANULAÇÃO
Formação de colágeno, que é responsável pela sustentação e força tensora da cicatriz.
FASE DE MATURAÇÃO OU REMODELAÇÃO
Com predominância do equilíbrio entre a síntese e a destruição das fibras de colágeno por ação das colagenases. O desequilíbrio nesta fase favorece aparecimento de falhas na cicatrização como queloides e cicatrizes hipertróficas. Perdurando esta fase por toda a vida da ferida com provável estabilização após 1 ano.
A característica principal desta fase é a deposição de colágeno de maneira organizada, por isso é a mais importante do ponto de vista clínico.
O papel da nutrição no processo de cicatrização de feridas
Vários fatores interferem no processo de cicatrização favorecendo ou dificultando seu desfecho, como por exemplo: defeitos de oxigenação celular, envelhecimento, estresse, algumas condições de saúde como infecções, diabetes, abuso de álcool e fumo e status nutricional.
Independentemente do tratamento específico das feridas, o papel da nutrição sempre deve ser considerado, muitos componentes nutricionais têm papeis importantes no processo de cicatrização, podendo afetar a função imunológica, a síntese de colágeno e a força tênsil da cicatriz.
A nutrição tem papel importante na recuperação pós-cirúrgica, acelerando a cicatrização e melhorando a defesa imunológica. O estresse cirúrgico aumenta a perda muscular e a lipólise e pacientes com deficiências nutricionais poderão apresentar tecido muscular e gordura insuficientes para a adequada cicatrização. A terapia nutricional pode reduzir as complicações pós-cirúrgicas e acelerar a recuperação.
Evidências tem demonstrado que a suplementação nutricional favorece o processo de cicatrização de lesões. Pacientes submetidos a cirurgia oncológica que receberam suporte nutricional pré-cirurgia tiveram incidência e severidade reduzidas nas intercorrências de cicatrização em comparação com pacientes que não receberam nenhuma suplementação.
A incorporação de intervenções nutricionais no cuidado peri-cirúrgico de pacientes submetidos a cirurgias estéticas, pode corrigir deficiências nutricionais subclínicas, acelerar a recuperação e melhorar os resultados cirúrgicos.
A Suplementação Nutricional Eficiente.
São inúmeras as opções dentre os suplementos nutricionais que tem apresentado evidências científicas e relevância clínica no manejo da cicatrização de lesões contribuindo para melhores resultados clínicos e bem-estar dos pacientes.
Macronutrientes (proteínas e aminoácidos, carboidratos e ácidos graxos essenciais) proporcionam estrutura e energia para crescimento tecidual, renovação celular e reparação de lesões. Micronutrientes (vitaminas e minerais) promovem proliferação e manutenção celular.
Na fase inflamatória os nutrientes mais importantes são: proteínas, aminoácidos e vitamina E.
Enquanto na fase de proliferação, responsável pelo “fechamento” da ferida, os nutrientes importantes são proteínas, aminoácidos, vitamina C, ferro e zinco. E nessa fase é necessária boa condição de produção de energia.
Na fase de remodelação, ocorrem dois eventos importantes: deposição e remodelação do colágeno e a regressão endotelial.
A remodelação do colágeno inicia-se na formação do tecido de granulação e mantém-se por meses após a reepitelização. As colagenases e outras proteases produzidas por macrófagos e células epidérmicas dão direção correta às fibras colágenas difusas, são importantes nessa fase: proteínas, aminoácidos, carboidratos, lipídeos, vitamina A, C, E, zinco e cobre.
A suplementação de arginina, glutamina e zinco devem ser consideradas, bem como de vitamina D, selênio, ferro e ácidos graxos essenciais, em alguns casos. A glutamina leva a melhora da cicatrização com aumento da força de tração e da deposição de colágeno tipo III. A arginina e HMB (b-hidroxi-b-metil butirato) são indispensáveis para a biossíntese de colágeno e processo de cicatrização.
Suplementação de nutrientes específicos como a glutamina, arginina e ômega-3 são reconhecidos como “imunonutrição” e podem reduzir a morbidade e as complicações infecciosas reduzindo o tempo de internação e melhorando os resultados pós cirúrgicos.
A vitamina A modula os efeitos dos corticóides que inibem a contração da ferida e a proliferação de fibroblastos.
As vitaminas do complexo B aumentam a síntese de fibroblastos. A vitamina D facilita a absorção de cálcio e a vitamina E é cofator na síntese do colágeno, além de melhorar a resistência da cicatriz e eliminar radicais livres.
O zinco é cofator de mais de 200 metaloenzimas envolvidas no crescimento celular e na síntese proteica, sendo indispensável para a reparação dos tecidos.
Um estudo para determinar os efeitos da suplementação de magnésio e vitamina E na cicatrização de úlceras em pé diabético, demonstrou que a suplementação reduziu significativamente o tamanho das lesões em largura e profundidade, além de melhorar significativamente os padrões metabólicos como controle glicêmico e perfil lipídico.
E não podemos deixar de mencionar a importância de alguns nutrientes para a formação da matriz extracelular, que é resultante de um balanço entre a deposição (síntese) e degradação de colágeno.
Os fibroblastos são as maiores fontes de proteínas da matriz extracelular, onde irão ordenar os feixes de colágeno produzidos, também, pelos próprios fibroblastos, além de ser o arcabouço para os vasos neoformados. É constituída de proteínas, como fibrina, colágeno, proteoglicanos (ácido hialurônico e condroítina), glicoproteínas (fibronectina e laminina), água e eletrólitos.
Além dos macro e micronutrientes que atuam como fonte para construção e sustentação do epitélio em formação e como cofatores para processos moleculares e bioquímicos decisivos, alguns fitoterápicos e ingredientes bioativos também apresentam um papel bem definido no processo de cicatrização.
Fitoterápicos como: Passiflora edulis (maracujá); Orbignya phalerata (babaçu) e a Jotropha gossypiifolia L.(pião roxo) e a Schimus terebinthifolius raddi (aroeira), demonstraram efeitos positivos em pesquisas preliminares.
Espécies de alcaçuz (Glycyrrhiza) são muito estudadas na medicina tradicional, e seu composto bioativo, ácido 18B-glicirretinico, tem demonstrando que pode estimular a proliferação de fibroblastos e queratinócitos, demonstrando importante papel na cicatrização e defeitos dérmicos.
O uso de substâncias antioxidantes tem sido relacionado à menor formação de radicais livres e menor dano tecidual em situações de hipóxia. Os principais antioxidantes ativos positivamente na cicatrização são: Vitamina C, vitamina E e Gingko biloba.
Evidências sugerem que espécies oxigênio reativas (ROS) são reguladores cruciais em várias fases do processo de cicatrização. A produção excessiva de ROS ou defeitos na detoxificação de ROS podem causar danos oxidativos, que são a principal causa das falhas de cicatrização em feridas crônicas. Neste contexto, estudos clínicos ou experimentais têm demonstrado que estratégias antioxidantes e anti-inflamatórias são benéficas para a cicatrização mais eficiente.
E neste contexto modulador antioxidante, a surpreendente Curcumina, composto bioativo encontrado na raiz de Curcuma longa, é usada a anos como agente farmacológico demonstrando atividade anti-inflamatória e antioxidante e eficaz na cicatrização de lesões, reduz a expressão da TNF-alfa e IL-1 e restabelece o equilíbrio entre a produção de espécies oxigênio-reativas (ROS) e sua eliminação.
Uma vez que a curcumina induz apoptose de células inflamatórias durante a fase inflamatória da cicatrização, pode acelerar este processo encurtando esta fase. Ainda, facilita a migração e diferenciação de fibroblastos e a síntese de colágeno.
O futuro é promissor para as medidas preventivas e curativas mais eficientes e que possam estar à disposição dos cirurgiões, diminuindo assim a possibilidade de complicações no manejo dos pacientes que necessitam se submeter a procedimentos cirúrgicos.
Desta forma, procuramos demonstrar a importância da nutrição associada a cirurgia plástica e também ao tratamento de feridas crônicas, e o amplo leque de oportunidades disponíveis para oferecer intervenções nutricionais juntamente com os cuidados clínicos e cirúrgicos, como uma ferramenta estratégica nos cuidados com a cicatrização das lesões e bem estar do paciente muito além da cirurgia e das lesões na pele.
“Não devemos tocar em uma ferida se não temos com o que curá-la” Ernest Hello
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