A Saúde Mental e a Dor Física
Os distúrbios de saúde mental e as doenças musculoesqueléticas estão entre as maiores ameaças para o organismo humano e suas habilidades funcionais, mesmo assim, a relação entre elas só começou a receber a devida atenção a alguns anos.
Em 2017, as doenças musculoesqueléticas eram a segunda causa de incapacidade física global, considerando o número de anos vividos com incapacidade, e qual seria a primeira causa? Justamente, as doenças mentais são as campeãs deste ranking.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde mental como “um estado de bem-estar no qual cada indivíduo percebe seu próprio potencial, conseguindo lidar com o nível de estresse normal, trabalhar de forma produtiva e ser capaz de oferecer sua contribuição para a sociedade.”
Portanto, a boa saúde mental é a combinação de bem-estar psicológico, emocional e social que se manifesta como positividade de humor, capacidade de enfrentamento de crises e boas qualidades sociais.
Seres humanos com boa saúde mental sofrem menos de condições físicas crônicas.
“As doenças são o resultado não só dos nossos atos, mas também dos nossos pensamentos.”
Mahatma Gandhi
A Tríade do Mal
O primeiro estudo de revisão, com foco na relação entre os distúrbios mentais e as doenças crônicas musculoesqueléticas, publicado na Maturitas em 2019, postulou alguns fatos importantes:
- A existência da associação entre o Transtorno Depressivo Maior (TDM) e a dor lombar crônica;
- Distúrbios de ansiedade estão associados com hérnias de disco cervicais e lombares;
- Distúrbios de humor e ansiedade estão associados a redução da densidade mineral óssea (DMO) em homens;
- A melhora na satisfação com a vida previne a perda de massa óssea em mulheres na pós menopausa.
Desde o final da década de 80 já havia sido proposto que algumas condições mentais e psiquiátricas faziam parte da mesma família de distúrbios relacionados entre si e que compartilham a mesma fisiopatologia, são conhecidos como transtornos do espectro afetivo. Estes transtornos compartilham sintomas de depressão e ansiedade, respondem bem ao tratamento com antidepressivos e estão frequentemente associados a condições clínicas dolorosas como fibromialgia, síndrome de fadiga crônica, enxaqueca, síndrome de intestino irritável, distúrbios disfóricos pré-menstruais, dor neuropática, dor lombar crônica e sintomas dolorosos persistentes.
Cerca de 50% dos pacientes com depressão também apresentam outras queixas e a maioria é relacionada com a dor. Pacientes com fibromialgia são duas vezes mais suscetíveis a distúrbios psiquiátricos como depressão e ansiedade.
Apesar de todas essas evidências, os sistemas de classificação em psiquiatria não incluem a dor crônica entre os sintomas da depressão e a dor não figura como um sintoma dos distúrbios de humor e ansiedade.
Pesquisas recentes indicam que esta separação não é consistente com a realidade clínica dos pacientes. Não só existe a correlação fisiopatológica como também a correlação clínica entre estas três condições.
O Que Há por Trás da Tríade
Como vimos, definitivamente os transtornos de depressão e ansiedade compartilham aspectos biológicos e ambientais com a dor e também com a insônia. Estabelecida esta correlação, podemos compreender o que há por trás em termos de mecanismos fisiopatológicos.
A coexistência destes distúrbios é explicada pelas vias neurobiológicas em comum, envolvendo os neurotransmissores serotonina, dopamina, noradrenalina, GABA, glutamato e substância P.
Na depressão, especialmente no TDM, a fisiopatologia é baseada na disfunção da expressão das monoaminas, na redução de sua síntese ou na atividade dos seus receptores. Recentemente, outros fatores têm recebido atenção da ciência como o papel das anormalidades neuroendócrinas envolvendo o excesso de cortisol, os efeitos inibitórios da neurogênese, a presença de opioides endógenos disfuncionais, alterações na transmissão gabaérgica e glutamatérgica, alterações nas citoquinas inflamatórias e anormalidades no ritmo circadiano.
Vamos lembrar que esta mesma abordagem farmacológica, tem papel importante na percepção e resolução da dor.
Já os distúrbios de ansiedade, entre eles: Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), Fobia Social e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), envolvem anormalidades na transmissão serotoninérgica, noradrenérgica, glutamatérgica e gabaérgica.
O funcionamento adequado do sistema nervoso central (SNC) depende da homeostase mantida e regulada por duas forças opostas que atuam de forma independente entre si e que confluem de forma cíclica sempre buscando equilíbrio.
Trata-se de dois neurotransmissores que regem nosso funcionamento neuronal, glutamato e GABA, responsáveis por estímulos opostos excitatório e inibitório no nosso SNC. Juntos, glutamato e GABA constituem 90% da força total de nossos mensageiros neurotransmissores, deixando os restantes 10% para todos os outros.
O equilíbrio entre GABA e glutamato representa nosso estado de equilíbrio fisiológico e mental enquanto, a perda deste estado está implicada diretamente nos transtornos de ansiedade e na perda do controle inibitório da transmissão da dor.
Estratégias para Restabelecer o Equilíbrio
Os primórdios da introdução dos antidepressivos para tratamento de alterações de humor em pacientes deprimidos, data do final da década de 50, assim, não é mistério que os antidepressivos atuam aumentando a oferta de serotonina e noradrenalina no SNC e desse modo restabelecendo seu equilíbrio e o bem estar emocional dos pacientes.
Este mesmo mecanismo de inibição da recaptação de monoaminas, tem papel importante na modulação da dor, especialmente na dor crônica de caráter neuropático, onde a maior oferta e atuação das monoaminas tem ação inibitória das vias de sinalização da dor na medula espinal e SNC.
Estas vias neurobiológicas explicam a resposta terapêutica bem sucedida dos antidepressivos no tratamento tanto dos distúrbios psiquiátricos quanto nos tratamentos de dor crônica.
O tratamento farmacológico dos transtornos de ansiedade, inclui além de agonistas serotoninérgicos e antidepressivos, os benzodiazepínicos, que atuam justamente nos receptores gabaérgicos restabelecendo o equilíbrio.
E por fim, devemos incluir nestas vias neuronais, o glutamato. A era do glutamato começou bem mais tarde, em 1986 com a descoberta dos receptores glutamatérgicos, mGLU, atual foco de pesquisas no campo da neurofarmacologia. A participação dos receptores glutamatérgicos na ansiedade já é bem estabelecida, porém, ainda existe muito a se elucidar com relação aos receptores NMDA e AMPA.
Um exemplo moderno é a abordagem de bloqueio de receptores glutamatérgicos, que já é usada a décadas como analgésico, pelo bloqueio da sinalização da dor, e que recentemente tem sido utilizada com sucesso no tratamento de alguns quadros de depressão persistente, como no caso dos derivados de cetamina que já haviam sido aprovados pelo FDA e este ano foram aprovados pela ANVISA.
Abordagem Integrativa
“Quando as coisas não andam bem na sua cabeça, elas não andam bem em lugar nenhum.”
Laura de Mello
A abordagem integrativa através de estratégias não farmacológicas e do uso de suplementos coadjuvantes já conta com opções bem fundamentadas e comprovadas cientificamente.
A primeira abordagem pela qual todo e qualquer tratamento deve iniciar é sempre a prática de atividade física.
Isso mesmo, a atividade física é considerada atualmente tratamento de primeira linha para a tríade: dor, depressão e ansiedade, de acordo com as diretrizes das principais entidades médicas pelo mundo todo. Com o mais elevado grau de evidência e comprovação científica, a prática de atividade física deve ser a primeira recomendação clínica para todos os pacientes.
Por outro lado, a maioria dos pacientes com depressão ou distúrbio bipolar tratados com antidepressivos não atingem a remissão completa dos sintomas, assim como os tratamentos farmacológicos são insuficientes para os distúrbios que envolvem o SNC e periférico, na maioria dos pacientes. Isto ocorre devido à alta complexidade e aos múltiplos mecanismos envolvidos nestes quadros, como já vimos neste artigo.
Por essa razão, a investigação científica e o uso clínico de agentes coadjuvantes fitoterápicos e nutracêuticos para os distúrbios que afetam o SNC e suas vias periféricas, tem crescido muito nas últimas décadas.
Graças a sua comprovada eficácia e segurança e a elevada adesão dos pacientes, estes ingredientes têm ganhado a confiança dos prescritores e tem sido cada vez mais prescritos para benefício dos pacientes.
Como sabemos, nutrientes consumidos a partir da dieta são críticos para o bom funcionamento do sistema nervoso, muitas evidências dão suporte para a relação entre a qualidade dietética, o humor e o estado mental. Nutrientes específicos podem atuar em vias neurobiológicas para aumentar a resposta de antidepressivos. Uma dieta variada e rica em nutrientes é uma das chaves para o bom funcionamento do sistema nervoso e podem atuar na prevenção destes transtornos.
No entanto, após o estabelecimento destas doenças, a suplementação de nutrientes padronizados e de grau farmacêutico, conhecidos como nutracêuticos, é uma estratégia importante como prescrição coadjuvante aos tratamentos.
Alguns nutracêuticos são capazes de modular mecanismos neurobiológicos de sustentação da depressão, como o desequilíbrio das monoaminas, pela sua sinergia com os antidepressivos. Também podem atuar em outras vias biológicas como: a neurogênese, o estresse oxidativo e alterações nas citoquinas inflamatórias.
Portanto, estes agentes, além de almejar as vias de neurotransmissores também exercem efeitos biológicos adicionais como por exemplo, atividade anti-inflamatória e antioxidante, por isso observamos o crescente interesse nessa área.
Da mesma forma que os nutracêuticos, alguns fitoterápicos (extratos de plantas medicinais padronizados em biofitoquímicos específicos) também atuam nas vias de sinalização neuronal graças a seus fitoquímicos e tem sido alvo de muitas pesquisas, em alguns casos demonstrando elevado grau de eficácia e segurança como tratamento coadjuvante com atividade antidepressiva, ansiolítica, indutores de sono e alívio de dor.
Existem inúmeras opções em diferentes fases de pesquisa, a escolha do tratamento sempre deve levar em consideração a avaliação criteriosa e individual de cada paciente.
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