O Sono e a Vida ou O Sono é Vida !

Significando o Sono

O sono é uma necessidade fisiológica humana, juntamente com alimento, água e ar e da mesma forma que acontece com a alimentação, atender essa necessidade biológica requer o envolvimento em um comportamento intencional; diferentemente de respirar que é um comportamento automático. Ou seja, para alimentar-se ou para dormir o indivíduo precisa querer voluntariamente ao passo que respira involuntariamente.

Na maioria das pessoas o sono ocupa entre 20 e 40% do dia, e é essencial para manutenção da saúde imunológica, restabelecimento da energia e consolidação da memória.

Atingir boa quantidade e qualidade de sono é necessário para bem-estar e saúde geral. Apesar disso, cerca de 45% dos indivíduos adultos não atingem o recomendado de 7 a 9 horas de sono ininterrupto por dia.

Por exemplo, a Internet, representou uma mudança tão profunda na sociedade, causando impacto no trabalho e nas famílias e levando a mudanças pessoais que influenciaram os padrões de sono, como as redes sociais na hora de dormir ou navegar pela Internet até tarde da noite.

O sono representa um conjunto de processos sob controle neurobiológico e impacta seriamente em muitos sistemas fisiológicos. Alguns desses processos são geneticamente e fisiologicamente controlados, não é por acaso que a maioria das pessoas prefere dormir a noite e adotam uma postura estereotipada reclinada ou deitada, ninguém gosta de dormir em pé e de dia.  O sono também é socialmente controlado, orientado pelo ambiente em que vivemos e sujeito a fatores sociais e interpessoais.

Transtornos do Sono e Insônia

Os transtornos relacionados ao sono são um grande grupo heterogêneo de distúrbios e incluem mais de 70 diagnósticos específicos.

Segundo a Classificação Internacional de Transtornos do Sono (ICSD) em sua terceira edição, publicada em 2014 (ICSD-3) os transtornos do sono podem ser classificados nas categorias:

  • Transtornos de insônia crônica: A ICSD-3 consolidou o diagnóstico da insônia (primária ou comorbidade) como: distúrbio de insônia crônica. 
  • Transtornos respiratórios relacionados ao sono:  as apnéias do sono e os distúrbios de hipoventilação, quadros que acometem pacientes adultos e pediáticos.
  • Transtornos centrais de hipersonolência: Caracterizados por excessiva sonolência durante o dia não atribuído a outros distúrbios de sono. São frequentemente causados por anormalidades intrínsecas no SNC no controle de sono e vigília.
  • Transtonos de ritmo circadiano sono e vigília: estes distúrbios afetam os trabalhadores em turnos e as pessoas que viajam grandes distâncias abrangendo fusos horários opostos, o que chamamos de “jet lag”. 

Seu diagnostico pode ser feito pelo uso de biomarcadores como o aparecimento da melatonina associada a ausência de luz, relato de pacientes através de questionários padronizados também é considerado para o diagnóstico.

  • Parasonias: os transtornos mais comuns nessa categoria, são os pesadelos, terror noturno, distúrbios alimentares relacionados ao sono, sonambulismo, paralisia do sono e outros.
  • Transtornos de movimento relacionados ao sono: Síndrome das pernas inquietas e bruxismo estão classificados neste grupo.

De maneira geral, estes transtornos afetam 25 a 33 % das pessoas e pelo menos 10% precisam de tratamento terapêutico.

A importância de conhecer os inúmeros tipos diferentes de transtornos do sono é a compreensão que a insônia pode ser a causa primária destes transtornos, ou, muitas vezes, a insônia é secundária a outros quadros, é fundamental identificar e tratar adequadamente a sua causa primária.

A natureza secundária de vários transtornos de sono, pode induzir a tratamentos inadequados, como resultado da tentativa de solucionar a insônia ao invés da real causa primária. 

A insônia é, portanto, um dos tipos de transtorno de sono e afeta 10% a 20% das pessoas, cerca de 50% destas seguem um curso crônico.

A insônia primária é uma condição clínica caracterizada por sono insuficiente ou de má qualidade, não atribuído a causas médicas, psiquiátricas ou ambientais e com um histórico mínimo de um mês. Os sintomas específicos são: a dificuldade para adormecer, dificuldade para manter o sono sem interrupção, o despertar precoce e sono não restaurador, acompanhados de sonolência, falta de concentração, irritabilidade e fadiga durante o período de vigília.

A insônia é considerada um fator de risco para desenvolvimento de outros transtornos médicos e mentais e a relação emocional entre dor e ansiedade podem agravar sua severidade, mesmo quando a dor está controlada.

Como já vimos no artigo https://innovarefarma.com/wp-admin/post.php?post=325&action=edit A Tríade: Dor, Depressão e Ansiedade,  ansiedade e depressão exacerbam as manifestações dolorosas e essa tríade em si, agrava a insônia e está formado o círculo do mal completo. 

A tríade depressão-ansiedade-dor e a manifestação da insônia formam juntos um complexo clínico no qual todas as combinações são possíveis e podem se manifestar ao mesmo tempo em um indivíduo.

O Ritmo Circadiano

O corpo humano mantém um ritmo biológico chamado ritmo circadiano que oscila em ciclos de 24 h, é este ritmo que orquestra os ciclos fisiológicos normais envolvendo sono e vigília que ocorrem diariamente.

O ritmo circadiano é controlado tanto por fatores genéticos do relógio biológico (genes Clock) como por fatores externos incluindo nutricionais e ambientais.

Por trás dos distúrbios de sono encontramos a hiperexcitação do sistema neuroendócrino causada por anormalidades no ritmo circadiano (envolvendo os genes Clock, secreção de melatonina e receptores adenosina), a via de transmissão gabaérgica, fatores endócrinos como níveis elevados de cortisol e vias excitatórias envolvendo glutamato e aspartato.

Os transtornos do ritmo circadiano são uma das categorias de transtornos de sono descritos, e podem ter impacto negativo no bem-estar psicológico e a saúde física.

Efeitos do Sono na Saúde e Longevidade

Os transtornos de sono não estão associados apenas com o declínio na qualidade de vida, mas também com maior incidência de problemas médicos e psiquiátricos e são considerados fatores de risco para várias doenças.

Sono e Mortalidade

Estudos demonstram o aumento de 10 a 12% na mortalidade em pessoas com sono muito curto.

Sono e Obesidade

Vários estudos demonstram a associação entre sono de duração mais curta e a obesidade, especialmente na redução da resposta às intervenções para a perda de peso relacionadas a fatores de sono e ritmo circadiano.

Sono e Metabolismo

A relação entre sono insuficiente e risco de diabetes já foi demonstrada por vários estudos publicados, a falta de sono fisiológico está associada a fatores de risco como a resistência à insulina e o aumento do consumo de alimentos ricos em carboidratos.  Uma meta-análise recente demonstrou um aumento de 33% no risco de diabetes em decorrência do sono insuficiente.

Sono e Inflamação

Estudos demonstram que a restrição de sono fisiológico está associada com estado pró-inflamatório, incluindo elevação das citoquinas inflamatórias IL-1B, IL-6, IL-17, TNF-alfa e Proteína C-reativa.

Sono e Doenças Cardiovasculares

Vários estudos demonstram a associação da falta de sono com a hipertensão. Uma meta-análise indicou que sono de curta duração pode aumentar em 20% a probabilidade de hipertensão em comparação ao sono de duração considerada normal ou suficiente. Estudos também demonstram associação do sono com a hipercolesterolemia e aterosclerose.  

Sono e Função Cognitiva

A falta de sono aumenta os lapsos de atenção e memória e interfere na execução e processamento de informações e performance cognitiva.

Sono e Saúde Mental

Transtornos de sono são uma característica diagnóstica muito comum em transtornos de saúde mental. Pacientes com transtornos de humor e ansiedade frequentemente reportam dificuldade para adormecer ou sono de curta duração.

Prevenção e Tratamento

Muitos dos sintomas de insônia primária podem ser prevenidas e tratadas adotando um estilo de vida adequado e seguindo as práticas da higiene do sono.

Já o tratamento da insônia crônica, é sempre essencialmente composto por terapia cognitiva-comportamental e/ou farmacológica. 

Os Guidelines europeus e americanos, incluindo a Academia Americana de Medicina do Sono (AAMS) recomendam a terapia cognitivo comportamental (TCC) como primeira linha de tratamento para insônia crônica (duração de sintomas por mais de 3 meses) e o tratamento farmacológico, quando necessário, para casos agudos (duração de sintomas inferior a 3 meses) ou pelo período mais curto possível.

Como alimentos ou suplementos nutracêuticos podem ajudar ?

A relação entre dieta e o sono tem ganhado atenção nos últimos anos, especialmente na compreensão sobre como fatores dietéticos específicos influenciam diretamente os desfechos no sono.

Triptofano

Aminoácido substrato para a síntese de melatonina. Estudos demonstram que a suplementação de triptofano reduz o tempo para adormecer e a latência do sono, principalmente em casos leves de insônia.

GABA e Glutamina

GABA é neurotransmissor inibitório com efeito indutor de sono, melhora a qualidade do sono e reduz a latência. Alimentos fermentados por ácido láctico são ricos em GABA e pode ser eficientemente suplementado.

A Glutamina, outro aminoácido não essencial, é substrato para a síntese de GABA, via descarboxilação do L-glutamato catalisada pela glutamato decarboxilase.  

Gaba e L-theanina

A associação de GABA com L-theanina (aminoácido naturalmente encontrado na Camelia sinensis ou chá verde) tem efeito sinérgico positivo e demonstrou redução na latência e aumento na duração do sono.

Tirosina

Aminoácido não essencial, substrato da noradrenalina. A liberação de noradrenalina é baixa durante o sono e aumenta muito ao despertar. A suplementação de tirosina pode ser usada após uma noite de insônia ou privação de sono para estimular a memória, o raciocínio lógico e estado de vigília.

Vitamina D

Já foi demonstrado que a deficiência de vitamina D está associada a maior risco de transtornos de sono, ao sono de baixa qualidade e de curta duração.

Vitamina C

Níveis séricos mais elevados de vitamina C também são associados a melhor padrão de sono.

Zinco

A suplementação de zinco em indivíduos que apresentam níveis abaixo do ideal deste elemento (<79,9 mcg/dL), comprovou ter efeito positivo no padrão de qualidade global de sono, na qualidade subjetiva e nos índices de latência.

Fitoterápicos e fitoquímicos

Vários fitoterápicos com ação relaxante e propriedades calmantes podem auxiliar a tratar a insônia primária, especialmente quando o uso de hipnóticos não é indicado ou não é bem tolerado.

Açafrão (Crocus sativus) extrato dos estigmas

Carotenóides encontrado nos estigmas do Crocus sativus (Açafrão verdadeiro) demontraram significativa redução dos períodos de vigilia, sem apresentar sonolência ao acordar.

Ashwaganda (Withania somnifera) extrato da raiz

Ashwaganda, ou ginseng indiano, um fitoterápico adaptógeno muito utilizado na Ayurvédica, já demonstrou reduzir ansiedade, estresse e depressão facilitando a preparação do organismo para o sono. É promissor no alívio da insônia e depressão estresse-induzida. Reduz níveis de cortisol e os efeitos imunossupressores provocados pelo estresse.

Camomila (Matricaria chamomilla) extrato da flor

Melhora padrões globais de sono e especialmente a latência.

Extrato de Alecrim (Rosmarinus officinalis) extrato da folha

Demonstrou melhora significativa na qualidade de sono e pouco efeito na latência e na duração.

Valeriana (Valeriana officinalis) extrato da raiz e rizoma

A valeriana (Valeriana officinalis) é usada a séculos para melhorar inquietação e ansiedade. Estudos recentes demonstraram seu mecanismo, a valeriana liga-se em receptores específicos de GABA, mimetizando a atividade inibitória gabaérgica.

Lupulo (Humulus lupulus) extrato das inflorescências

O lupulo (Humulus lupulus) tem propriedade, calmante e indutor de sono. O mecanismo principal é o aumento da atividade gabaérgica, inibindo atividade neural. O lúpulo também já demonstrou afinidade por receptores de melatonina e serotonina envolvidos no ritmo circadiano e controle do sono.

Valeriana, Lupulo e passiflora

Valeriana e lúpulo é a combinação mais investigada e demonstrou melhora nos padrões globais de qualidade e duração do sono.

A adição da passiflora na associação também é bastante investigada como tratamento para insônia.

Jujube (Ziziphus jujuba) extrato da semente

Com longa tradição na Medicina Tradicional Chinesa para ansiedade e transtornos e sono, é capaz de modular o sistema monoaminégico.

A associação de valeriana, lúpulo e jujube também já foi estudada e apresentou melhora em todos os parâmetros de avaliação de sono sem apresentar efeitos adversos relacionados a associação.

Melatonina

É um reconhecido indutor do sono que converte informação do ciclo de luz diurna e escuridão noturna ao corpo.  Melatonina ativa os receptores MT1 e MT2, ambos receptores acoplados a proteína-G para mediar seus efeitos na indução de sono e ritmo circadiano.  

Pesquisa em Direção ao futuro

As pesquisas sobre o sono seguem muitas direções possíveis com potencial para a contribuição e o avanço do conhecimento nesta área.  Em destaque estão os estudos de epigenética que exploram as interações genes-ambiente.

Por exemplo, adaptações genéticas a determinadas regiões geográficas podem influenciar os padrões de sono, ou ainda, certas vulnerabilidades genéticas (por exemplo relacionadas as vias aéreas) podem afetar também os padrões de sono nestes grupos.

A mudança de padrões e hábitos capazes de apresentar impacto positivo no sono em situação real (com todas as pressões do trabalho, família, ambiente e pessoais) pode ser difícil e estratégias uteis precisam ser cada vez mais exploradas e utilizadas na prática.

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